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“Valor é o conjunto de utilidades daquele recurso, não é apenas um cifrão”. Com essa visão holística do que os oceanos representam para as comunidades locais, o professor Miguel Marques, da Coimbra Business School, iniciou sua apresentação na Aula Inaugural do Programa de Engenharia Oceânica (Peno) da Coppe/UFRJ, nesta segunda-feira, 18 de março, que abordou o tema “O valor do mar – uma visão integrada dos recursos do oceano do Brasil”.

O professor destacou que ainda se conhece pouco a respeito dos oceanos, sobretudo em grandes profundidades. “Cada ponto no oceano é diferente. Profundidade, vento, corrente. É como se houvesse uma identidade específica para cada ponto. E mesmo que o mar fosse todo igual, cada um o enxerga de acordo com a sua perspectiva: surfista, pescador, engenheiro de petróleo. Para sabermos o valor do mar, temos que ver a forma pela qual a comunidade o vê e para além do uso tradicional que se faz dele”, alertou o economista formado pela Universidade do Porto.

Miguel Marques

Líder do Centro de Excelência Global da PricewaterhouseCoopers (PwC) Portugal para os assuntos do mar, Miguel defende a tese de que os oceanos devem ser compreendidos a partir de uma visão integrada, que permita que o seu uso beneficie a todas as partes interessadas. “A foz do rio é onde nascem os filhotes dos peixes, mas também servem como atracadouros naturais. Se o mais forte prevalecer, será um erro. É preciso ter uma visão integrada. Valor é o conjunto de utilidades daquele recurso, não é apenas um cifrão. Estamos aqui para deixar um mundo melhor ou pior para o futuro?”, questionou.

Na sua avaliação, o conceito de visão integrada, dentre outras coisas, significa ganho mútuo. “É fazer o que os noruegueses fazem em Bergen, em que os clientes da indústria naval são recebidos com degustação de salmão e há venda de bilhetes de navios para visita às fazendas de salmão”, exemplificou o professor.

União Europeia perde espaço para asiáticos na economia dos oceanos

Segundo o especialista, apesar dos países da União Europeia terem dedicado atenção especial aos oceanos, abordando a área de forma qualitativa, o continente vem perdendo participação no setor, que tem sido dominado pelos países asiáticos. “O mar gera 2,5% da riqueza produzida no mundo. A Ásia já concentra cerca de 60% do mercado, ao passo que Europa e Américas perdem espaço. Sete dos dez maiores portos do mundo são asiáticos, como Cingapura, Xangai e Guangzhou. Japão, Coreia do sul e China dominam o mercado de construção naval, manutenção e equipamentos. Por sua vez, China, Índia, Bangladesh e Paquistão lideram o mercado de demolição e desmonte de navios. A Europa mantém protagonismo na geração de energia offshore, com o Reino Unido, Alemanha, Holanda e Dinamarca são os cinco maiores produtores, e a China entre eles, na terceira posição, após a Alemanha”, contextualizou Miguel Marques.

Miguel ponderou que, não obstante as normas internas da União Europeia sejam dignas de elogio, não há mérito se a exploração predatória e a poluição forem deslocadas para outras regiões do planeta. “A Europa tem uma política de muita qualidade para o mar, mas não adianta cuidarmos do nosso jardim e destruir o dos outros. Não podemos limpar e preservar nossos mares e poluir a costa do Paquistão”, enfatizou.

O professor destacou também que a economia do mar é resiliente, sofrendo menos os impactos das crises econômicas. “Entre 2010 e 2013, o PIB de Portugal caiu 5%, mas os setores econômicos ligados ao mar cresceram 2%. O setor perdeu empregos, mas foi cerca de 1/3 da contração do mercado de trabalho em geral”.

Parte desse resultado positivo se deve à aquacultura, cujo volume de produção tem se aproximado daquele obtido pela pesca tradicional. “A classe média está crescendo no mundo todo e ela consome mais peixe, porque é saudável. Portugal já exporta mais pescado do que vinho”, relatou o professor, embora tenha lamentado que Portugal e Brasil não tenham grandes estoques pesqueiros devido às suas águas profundas. “Os portugueses pescavam bacalhau na Groenlândia e na Noruega. Tínhamos mais sol, e seco ele dura mais do que na Noruega”.

Conhecimento offshore mantém Brasil em posição de destaque

No debate que se seguiu à Aula proferida por Miguel Marques, o professor Floriano Pires, do Programa de Engenharia Oceânica da Coppe, trouxe o tema para a realidade do estado do Rio de Janeiro, onde a geografia aliada à existência de universidades, centros de formação militar e técnica, além de abundantes recursos naturais, permitiria a formação de um cluster de dinamismo e complexidade industrial.

“O Rio de Janeiro, infelizmente, apesar do potencial e vocação, não houve ação efetiva e articulada para mobilizar esse potencial de desenvolvimento. A política setorial recente fez com que os investimentos da indústria naval fossem espalhados em vários locais do país, e isso não deu certo.”

Mas a inteligência e a superestrutura se mantiveram aqui. Um requisito para desenvolver clusters desse tipo é ter “âncoras”, como a Marinha, a Petrobras, centros de pesquisa, universidades e formação técnica. A vocação do Rio é a economia do conhecimento”, destacou o professor Floriano.

O professor Segen Estefen, também do Peno, concordou com a visão de Floriano acerca da vocação fluminense para a indústria naval, mas ponderou que este setor depende muito da demanda interna e dos ciclos políticos, que vão priorizar ou não a construção naval doméstica. Além disso, destacou Segen, “o conhecimento de água profunda coloca o Brasil em lugar de destaque no cenário internacional. O Brasil detém um estoque de conhecimento que pode ser valioso para a economia do mar e pode estar na vanguarda de diferentes setores, um deles o de renováveis dos oceanos, seja eólica offshore, de ondas, correntes, ou por gradiente de temperatura”.

Professor Segen Estefen

O diretor de Tecnologia e Inovação da Coppe, professor Fernando Rochinha elogiou a palestra proferida pelo professor Miguel Marques, e o livro organizado por ele, e correlacionou ambos ao objetivo da Coppe de formar alunos capazes de promover inovação científico-tecnológica em uma área de tamanha transversalidade e interdisciplinaridade.

“A palestra deu uma visão holística de como o mar pode participar de nossas vidas, e o livro trata de assuntos muito densos de maneira muito harmônica. A minha preocupação, como diretor de Tecnologia e Inovação, é tornar a inovação algo do dia a dia. É refletir como será a formação do aluno que atuará em uma área que requer tamanha integração de conhecimentos”, ponderou o professor Rochinha, enfatizando que a Coppe cumpre o seu papel, ao criar laboratórios (mais de 130), incubadoras, interação com centros de pesquisa no Parque Tecnológico, levando a uma mudança na forma de ensinar Engenharia, promovendo capacidade crítica de articulação com outras disciplinas.

Após a Aula Inaugural foi lançado o livro “O valor do mar – uma visão integrada dos recursos do oceano do Brasil”, o mesmo tema da Aula, organizado pelo professor Miguel Marques, pelo professor da Escola de Guerra Naval, André Panno Beirão, e pelo jornalista Rogério Raupp Ruschel, no qual são apresentados modelos de desenvolvimento sustentável dos recursos do mar. O livro conta com entrevistas dos professores de Engenharia Oceânica da Coppe Floriano Pires e Segen Estefen; do diretor de Tecnologia e Inovação da Coppe, professor Fernando Rochinha.