Artigo

Nascido em Juiz de Fora, em 1951, Segen Farid Estefen foi conquistado pela matemática nos seus primeiros anos de estudo. A paixão e a habilidade com os números capturaram de vez o professor no ginásio e  científico cursados na Academia de Comércio, o colégio de padres do Verbo Divino de Juiz de Fora. Passou no vestibular para  a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Escolheu a UFJF, onde iniciou uma brilhante trajetória unindo as ciências da terra e do mar.

Graduado em Engenharia Civil pela UFJF, em 1973, Segen Estefen concluiu o mestrado no Programa de Engenharia Naval e Oceânica da Coppe/UFRJ, em 1976, sob a orientação do professor Tiago Alberto Piedras Lopes; e seu doutorado em Engenharia Civil no Imperial College London, Inglaterra, em 1984, sob a orientação do professor John E. Harding. Em 1991 fez pós-doutorado na Norwegian University of Science and Technology (NTNU), Noruega. 

Ingressou na Coppe como professor assistente, em 1976, e passou para adjunto em 1984. Professor Titular desde 2005, é Pesquisador 1A do CNPq, membro da Sociedade Brasileira de Engenharia Naval (Sobena), da qual foi diretor técnico, e da Academia Nacional de Engenharia. Fellow da Society for Underwater Technology (UK), é membro de Comitês Técnicos e do Comitê Organizador do International Ship&Offshore Structures Congress (ISSC), e do Comitê Consultivo da Ocean, Offshore and Arctic Engineering Division da  American Society of Mechanical Engineers (Asme), tendo sido o Presidente Executivo da Divisão.

Segen foi premiado com a Medalha Mérito Tamandaré, concedida pela Marinha do Brasil, em 2006; com o Prêmio Sobena, em 2007, e com o Prêmio Coppe Lobo Carneiro Mérito Acadêmico, em 2018.

Iniciou a graduação em um período de grandes obras no Brasil, como hidrelétricas e rodovias.  Atento ao potencial, ao se formar em 1973 embarcou para o  Rio de Janeiro no intuito de obter informações sobre o curso de Engenharia de Transportes da Coppe. Para atender a um pedido do colega, Julio Cyrino, resolveu passar primeiro na secretaria do  Programa de Engenharia Naval, hoje Programa de Engenharia Oceânica,  onde foi recebido pelo coordenador na época,  professor João Luiz Selasco. Com meia hora de conversa Segen foi convencido a mudar de rota.  A construção naval vivia um período de grande desenvolvimento e o Programa de Engenharia Naval estava reforçando seu corpo docente com vários professores em doutoramento no exterior. “Selasco tinha grande poder de convencimento. Resolvemos, então, eu e Cyrino ingressarmos no mestrado de Engenharia Naval. A ideia era que os “mineiros” reforçassem a área de estruturas,” brinca Segen, que hoje tem Cyrino como colega no mesmo programa da Coppe.

Mergulho no oceano

Durante o mestrado, Segen realizou estudos para analisar as estuturas de navios, com geração automática  da malha de elementos finitos. Ele foi aluno dos professores Tiago Lopes (seu orientador), da Engenharia Naval e Oceânica; Fernando Lobo Carneiro, do Programa de Engenharia Civil, e Luiz Bevilacqua, do Programa de Engenharia Mecânica. O bom desempenho no mestrado fez com que fosse convidado a continuar na instituição, para dar aulas de estruturas navais. Assim, em 1976, iníciou sua carreira de docente da Coppe, ministrando aulas também na Escola Politécnica, no curso de Engenharia Naval.

Professor Segen Estefen

No final de 1979 casou com Lisete Pace e algumas semanas depois viajou para Londres, onde iniciaria  o doutorado no Imperial College London. Sua pesquisa focou em estudos da instabilidade de cascas cilíndricas, com aplicação na primeira plataforma flutuantes ancorada sob tração (tension-leg plataform) instalada mais tarde no Mar do Norte para a produção de petróleo no campo de Hutton.

Para investigar a capacidade estrutural sob carregamentos axiais e pressão external, considerando os efeitos das distorções e tensões residuais devido ao processo de fabricação, o grupo de pesquisa de Estruturas de Aço do Imperial College tinha como metodologia a combinação de métodos numéricos computacionais com modelos reduzidos de aço. Os testes de pressão externa eram realizados numa câmara hiperbárica de outra universidade inglesa.

Em 1982 nasceu seu primeiro filho, Tiago Pace Estefen. “Um Bristish Citizen, em plena era Margaret Thatcher”, brinca Segen, acrescentando que  paralelo à condução de sua pesquisa realizava cursos de cinema no British Film Institute, produzindo com amigos brasileiros curta-metragens de vanguarda, experiência adquirida ainda no Brasil.

Assim que concluiu o doutorado, em 1984, retornou à Coppe, atuando  como professor adjunto, em  linhas de pesquisa associadas às estruturas navais e offshore e  tecnologia submarina, principalmente dutos submarinos e risers  para águas profundas. Com apoio da Finep, iniciou em 1987 um projeto de pesquisa de construção de uma câmara hiperbárica para simulação de ambientes submarinos de até mil metros de profundidade. Foi o primeiro grande equipamento do Laboratório de Tecnologia Submarina (LTS) da Coppe, fundado em 1989. O início das atividades do laboratório coincidiu com os esforços da Petrobras na produção de  petróleo no campo de Marlim, com cerca de mil metros de profundidade. As pesquisas sobre plataformas flutuantes e dutos submarinos foram ampliadas com os estudos experimentais proporcionados pela câmara hiperbárica, assim como os testes experimentais para complementar estudos teóricos e numéricos sobre o novo projeto estrutural do submarino nuclear brasileiro.

Professor Segen Estefen

No início de 1991, se mudou com a família para a Noruega, onde durante um ano se dedicou ao pós-doutorado no Institute of Marine Technology da Norwegian University of Science and Technology, reconhecido mundialmente pelas pesquisas em tecnologia marinha. A esposa continuou os estudos na área de psicologia, na mesma universidade. Da Noruega coordenou outro projeto no LTS. Desta vez, para a construção de uma nova câmara hiperbárica para simulação de ambiente de águas ultraprofundas, até cinco mil metros, financiado pela Petrobras, com foco no projeto de dutos submarinos.

Segen tem boas recordações do período na Noruega, onde com a esposa e os dois filhos, então com 8 e 6 anos, juntos se divertiam  com as novidades de esquiar cross-country nas montanhas de Trondheim, e nos campeonatos de futebol infantil.

Sensibilizado pela crise hídrica no Brasil que comprometeu a geração das usinas hidrelétricas, criou em 2001 um grupo de pesquisa no LTS para tratar da geração elétrica e dessalinização a partir de fontes renováveis oceânicas. Pesquisas teóricas e experimentais foram realizadas sobre recursos disponíveis na costa brasileira e tecnologias de conversão. Em 2012 foi instalado o primeiro protótipo brasileiro de conversão de ondas em eletricidade no Porto do Pecém, no estado do Ceará.   Mais recentemente um outro protótipo foi projetado, com base na experiência do protótipo do Pecém, para instalação na costa da cidade do Rio de Janeiro. Outras iniciativas desse grupo estudaram o feito das marés sobre rio da Amazonia, avaliando a inversão do fluxo de corrente do rio para a instalação de turbinas para geração de eletricidade.

Foi responsável, juntamente com o Prof. Anthony Lewis da Irlanda, do capítulo sobre energia dos oceanos do Relatório Especial sobre Fontes de Energia Renovável e Mitigação das Mudanças Climáticas do Panel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, publicado pela Cambridge University Press em 2012. No mesmo ano, representou o Brasil na reunião sobre fontes renováveis do oceano e sua conversão em eletricidade, realizada na sede da ONU, em New York.  O debate se deu no contexto das ações da ONU para mitigar o aquecimento global. No mesmo ano, participou do painel “Oceanos Sustentáveis”, na Rio+20, evento promovido pela ONU no Rio de Janeiro.

Entre dezenas de projetos de pesquisa coordenados por Segen, destacam-se duas patentes. Uma delas é o conceito de duto-sanduíche, formado por duas camadas de aço, com um material polimérico no anular, para resistir às altas pressões do fundo do mar e proporcionar  isolamento térmico, patente INPI.  A outra é a Usina de Ondas (U.S. Patent Office and Trademark),  que utiliza tecnologia, com circuito em alta pressão, para gerar eletricidade  a partir do movimento das ondas do mar. O primeiro protótipo em escala real  foi instalado no Porto de Pecém, no Ceará, entre 2012 e 2014. Com base neste protótipo, um outro desenvolvimento foi realizado recentemente para instalação na costa da cidade do Rio de Janeiro, próximo à Ilha Rasa, a cerca de 10 km da praia de Copacabana.  Outro projeto emblemático, Recifes Artificiais de Rio das Outras,  foi instalado no período 2003-2004,  em área de 20 mil metros quadrados no mar, próximo a Rio das Ostras.  O projeto reciclou dutos de perfuração, utilizando-os na construção de habitats para o desenvolvimento de vida marinha nessa ampla área.

Atuação na diretoria da Coppe

Ao retornar da Noruega, foi indicado para integrar a equipe que tinha o professor Pinguelli como candidato para a nova direção da Coppe, assumindo em 1994 a diretoria acadêmica da Coppe. Durante sua gestão foram estruturadas duas iniciativas implantadas em 1998: os primeiros cursos de pós-gradução lato sensu da instituição, e o Prêmio Coppe Mérito Acadêmico, que contempla os docentes que se destacam por sua produção acadêmica e trajetória profissional. Além de exercer as atribuições do posto, Segen contribuiu com o diretor  e demais colegas da diretoria, na remodelação do Bloco I, do Centro de Tecnologia. O bloco, batizado de I-2000, tornou-se o maior e mais moderno complexo de laboratórios da América Latina.

Professor Segen Estefen

Segen Estefen tomou posse como diretor da Coppe, em 1998. Ao mesmo tempo em que a diretoria da Coppe interagia com os coordenadores dos laboratórios para a  conclusão da implantação do I-2000, teve que lidar com a insegurança na instituição causada pela Lei do Petróleo sancionada no segundo semestre de 1997. A nova lei quebrou o monopólio da Petrobras na exploração de óleo e gás no Brasil, colocando em dúvida a continuidade da forte interação entre o Cenpes e a Coppe.  De acordo com Segen tudo se acalmou  com a introdução da  cláusula de P&D da ANP, que obriga até hoje todas empresas do setor a investir cerca de 1% da receita bruta em pesquisas.

No segundo ano de sua gestão, a Finep, por meio do fundo CT-Petro, foi essencial para que, junto com o professor Carlos Levi, também do Programa de Engenharia Oceânica da Coppe, tirassem do papel o projeto de construção do Laboratório de Tecnologia Oceânica (LabOceano). Com investimento de R$ 16 milhões, sendo R$ 15 milhões somente da Finep e o restante da Faperj, o laboratório foi inaugurado em 2003. Também foram concluídas duas grandes infraestruturas laboratoriais no prédio anexo à Coppe, o Laboratório de Geotecnia do Programa de Engenharia Civil e o Conjunto de Laboratórios do Programa de Engenharia Química.

Águas mais profundas

Em 2007, assumiu a diretoria da Tecnolgia e Inovação da Coppe e, no ano seguinte, o cargo de diretor-superintendente da Fundação Coppetec. Iniciou a gestão acumulando mais uma coincidência em sua trajetória. A Petrobras acabava de anunciar a descoberta do Campo de Tupi, com a expectativa de ter a maior reserva de óleo e gás do Brasil, trazendo junto uma série de desafios. Ali se iniciava a era do pré-sal, com reservas a mais de 6 mil metros de profundidade, o que motivou vários questionamentos técnico-científicos e novas pesquisas. Mas Segen considera que o maior desafio da Coppe em sua cooperação  com a Petrobras se deu mesmo entre 1984 e 1992. “Na chegada do pré-sal a Coppe já contava com estrutura laboratorial mais avançada e pessoal qualificado para atender as demandas”, afirmou.

Além de assinar os contratos para a realização de novas pesquisas que começaram a ser realizadas nos laboratórios já existentes, Segen acompanhou as inaugurações de quase dez laboratórios da Coppe, que nasciam prontos para mergulhar a mais de 6 mil metros. Entre eles, o Laboratório de Ensaios não Destrutivos, Corrosão e Soldagem (LNDC) que foi o primeiro do Brasil a ser criado com pesquisas já voltadas para o pré-sal. No mesmo período foram realizadas as  obras dos primeiros prédios do Centro de Tecnologia 2 (CT2), que passou a sediar a diretoria da Coppe e a Fundação Coppetec.

Em 2009, a diretoria de Tecnologia e Inovação implantou  na Coppe o projeto Idea que, com apoio do Sebrae, nos dois primeiros anos de funcionamento mapeou cerca de 50 tecnologias consideradas promissoras. Segen explica que o projeto também buscava maior interação entre diferentes laboratórios da instituição, com o estabelecimento de grandes áreas multidisciplinares refletidas nos Cadernos de Tecnologia produzidos para facilitar a interação Universidade-Indústria. Em 2013, foi criada a Unidade Embrapii Coppe em Tecnologia Submarina, a partir da iniciativa do MCTI de apoiar projetos tecnológicos do interesse da indústria.

Atuou com os  professores Pinguelli e Aquilino Senra na implantação do Centro China-Brasil de Mudanças Climáticas e Tecnologias Inovadoras para Energia. Inaugurado em 2009, o centro é fruto de uma parceria da Coppe com a Universidade de Tsinghua (sede do centro). A estrutura do Centro previa a direção por representantes brasileiro e chinês. Segen foi nomeado o primeiro diretor, juntamente com o professor Liu, da Universidade de Tsinghua. Naquela época, já estava em andamento a cooperação da Coppe com a China University of Petroleum (CUP),  fortalecendo as atividades do Centro.

Chine-Brasil Center

Com a reeleição dos membros da diretoria, em 2011, Segen assumiu o segundo mandato consecutivo como diretor de Tecnologia e Inovação da instituição. Cargo que deixou em outubro de 2013 para atuar na estruturação e direção do Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas e Hidroviárias (INPOH), uma Organização Social (OS) que está sendo criada, com recursos do Ministério de Ciêcia, Tecnologia e Inovação (MCTI) e conta com apoio da Marinha do Brasil.  O instituto, que aguarda definição política  para entrar em operação, já tem o programa científico  e o conselho de administração  constituídos.

Em abril de 2015, foi nomeado para o Conselho da Petrobras, no qual passou a presidir o Comitê Estratégico, que tem como função analisar o planejamento estratégico da empresa. No ano seguinte, colaborou na implantação do Instituto China-Brasil de Tecnologia Submarina na Coppe, dirigido pelo professor Carlos Levi. “Já tinha uma longa relação com os chineses, desde 2001, sendo professor convidado da CUP. Atualmente, doze alunos chineses cursam o doutorado no Programa de Engenharia Oceânica da Coppe”, relatou.

Para dar conta de tantas atribuições simultâneas, o professor diz que é importante saber delegar e trabalhar em equipe. “É  importante trabalhar duro, mantendo o olhar no  futuro, e a academia tem essa tarefa. Gosto de despertar meus alunos para irem além do que aprendem na Coppe, com a capacidade de avançar em novos conhecimentos”, conclui o professor.

Craque da ciência e do futebol

Durante sua infância em Juiz de Fora, Segen era dedicado aos estudos, mas outro prazer consumia boa parte do seu tempo: o esporte, principalmente futebol e tênis. Quando criança fazia muita bagunça no grande quintal da residência, onde entre mangueiras e bananeiras  havia um campo de futebol. Jogava futebol de salão com seu irmão William e o colega de Programa, Julio Cyrino,  no time do colégio Academia de Comércio.

Na “manchester mineira”, seu pai, Farid Calil Estefen, nascido no Libano, era proprietário de uma indústria de meias, com cerca de 100 funcionários. Sua mãe, Chames Luzia Haddad Estefen, nasceu no Brasil mas também era de família libanesa. Frequentemente, ia com o  pai  ao Rio de Janeiro para assistir aos jogos do América, time de coração dos dois. Durante as férias escolares, Segen e seu irmão, “tricolor”, passavam parte delas na casa dos tios, em Copacabana. No início do mestrado, mudou-se para o Rio, onde morou no bairro do Humaitá, dividindo apartamento com Julio Cyrino e outros dois colegas mineiros.

O primeiro filho, Tiago Pace Estefen, Engenheiro Naval e Oceânico, formado pela UFRJ, hoje integra o quadro de engenheiros da Petrobras e, quando aluno, fez parte da equipe que conquistou uma premiação internacional sobre produção submarina autônoma de petróleo no mar, em 2005, nos EUA. O professor vibrou com a premiação, cuja equipe contemplada  foi por ele  orientada. O segundo filho, Gustavo, nascido no Rio de Janeiro em 1985, é ator de teatro e atualmente mora em Nova York.

Segen gosta de  teatro, cinema e jazz. Costuma fazer  longas caminhadas e sua nova curtição é a neta Luísa, de dois anos. Fonte requisitada pela imprensa, diz que tudo na vida é exercício, e com o passar do tempo foi se acostumando a se comunicar com mais clareza. Os temas nem sempre foram de fácil compreensão para o grande público, como tecnologias para a produção de petróleo e geração de energia por ondas do mar. Alguns envolveram até assuntos mais  delicados, como plataforma que afundou, outra que inclinou, vazamentos de óleo… Mas confessa que para alcançar o atual estágio contou com a ajuda de uma professora, a Dominique, coordenadora da Assessoria de Comunicação da Coppe, que trabalha junto aos professores da Coppe na divulgação da  produção acadêmica e científica  para a sociedade. Segen diz que é imporante a instituição se manter participativa na imprensa: “Não podemos nos omitir. A opinião pública se sente gratificada quando a Coppe se pronuncia, em função de sua reputação e independência”, conclui.