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O novo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) destaca o risco de que, nas próximas décadas, o mundo tenha milhões de refugiados climáticos. Isso pode ocorrer no Brasil?

Já ocorre. Há décadas temos populações trocando regiões acometidas por estiagens pelas cidades. São refugiados climáticos. As mudanças do clima já inviabilizam, em muitos casos, a agricultura de subsistência. E não existe planejamento urbano para recebermos tanta gente.

Que medidas podem ser aplicadas para organizar as cidades?

Os maiores projetos devem ser em áreas de baixada, como Sepetiba e os fundos da Baía de Guanabara. São regiões que inundam constantemente quando há fortes chuvas. É preciso realizar um mapeamento altimétrico detalhado destas zonas de planície costeira, identificando as depressões naturais, as áreas onde há acúmulo de água. O papel da oceanografia é dar um prognóstico de qual é o nível que o mar pode atingir, como essa maré pode se propagar, inclusive dentro das lagoas costeiras. Fazemos simulações destas elevações, que são uma resposta a eventos extremos.

Isso implicaria um grande deslocamento das populações das áreas de baixada?

Ninguém pode morar nestes locais. Bairros inteiros devem ser removidos. Precisamos de um plano habitacional que dê uma infraestrutura decente para que estas pessoas possam morar em uma outra área. Se isso for feito corretamente, podemos ter resultados significativos em até dez anos.

Em uma década, então, seria possível atenuar o impacto dos eventos extremos? Mas a população aceitaria esta volta ao interior?

Sim, se houver programas de fixação de mão de obra e criação de empregos. Nosso território é suficientemente grande para criarmos cidades de porte médio no interior. Este é um diferencial, comparado a outros países.

Assim como o Brasil, os países desenvolvidos também enfrentam ameaças em suas zonas costeiras. O risco é o mesmo?

Não, nosso nível de carência é absolutamente maior. Talvez os países desenvolvidos nunca tenham enfrentado uma mudança populacional tão radical quanto a que vivemos nos últimos 50 anos. Na década de 70, 55% da população brasileira vivia em cidades. Isso equivale a 52 milhões de pessoas. Agora são 84%, ou seja, 160 milhões. Então, em apenas meio século, as áreas urbanas ganharam 108 milhões de pessoas. Até pouco tempo atrás, vivíamos uma política de desarranjo institucional. Tudo era deixado para depois.

E qual é a iniciativa que pode ser adotada na esfera federal?

O governo criou uma secretaria para elaborar uma agenda de intervenções contra as mudanças climáticas até 2040. É uma estratégia importante, de longo prazo, um reconhecimento de que não podemos mais adiar este problema. Mas as suas determinações precisam ser adotadas também pelos estados e, principalmente, pelas prefeituras. Por enquanto, temos intenções, mas não realizações.